As Canções

1- Sinas Gerais (Siuil a Run)

O título original, “Siúil a Rún”, no idioma gaélico, quer dizer “vá, meu amor”. Apesar do refrão cantado em gaélico, as estrofes estão em inglês. A mistura é justificada pelo fato de que ambos são os idiomas oficiais da República da Irlanda (nação que ocupa boa parte da Ilha da Irlanda, dividida entre a República e a Irlanda do Norte).

A letra é cantada do ponto de vista de uma mulher, que lamenta a ida do seu amado para o exército. Há quem diga que Siúil a Rún se refira à Revolução Gloriosa, que afetou todo o Reino Unido no século XVII. Existem outras versões dessa canção, inclusive com letras diferentes, chamadas de Shule Aroon e outra chamada Johnny has Gone for a Soldier. Siúil… é citada em livros como Ulisses, de James Joyce, O Mestre de Ballantrae, de Robert Louis Stevenson, e no filme O Salão de Jimmy, de Ken Loach. Em minha versão, os eventos (alguns muito fiéis à letra original) dialogam com referências de Minas Gerais (como a Conjuração Mineira, as Igrejas barrocas, etc.).

2 – Seus Poemas (How Can I keep From Singing?)

Essa canção, muito conhecida pela interpretação da irlandesa Enya, também é chamada de My Life Flows On in Endless Song (minha vida flui em uma canção sem fim). Trata-se de um hino cristão composto pelo ministro batista Robert Lowry aproximadamente em 1868. Como várias das canções coletadas para nosso disco, existem versões diferentes de How Can…,, algumas ligadas ao quakerismo (movimento protestante britânico do séc. XVII). Porém, as versões mais recentes dessa canção são inspiradas pela versão do cantor folk Pete Seeger, gravada nos anos 60. Na versão que fiz, o cântico de louvor é substituído pelo poema, recurso que utilizei para poder preservar a métrica original.

3 – A Menina de Lá (The Pretty Maid)

O título completo dessa canção seria The Pretty Maid Milking The Cow (A bela empregada ordenhando a vaca). Foi composta por Thomas Moore no início do século XIX, e possui várias versões – algumas, cantadas em gaélico. Mas a mais famosa, popular na gravação do grupo Clannad, é em inglês. Existe também uma pintura de mesmo nome (The Pretty Maid, traduzida no Brasil como A empregada bonita), do pintor francês Léon Comerre. A letra também menciona o conto árabe Aladim (além da lâmpada mágica), presente no livro As Mil e Uma Noites.

4 – A Lira (Coinleach Ghlas An Fhómair)

Esta talvez seja a mais peculiar das versões do disco Canções de São Patrício, pois é composta por uma mistura de uma canção celta tradicional e um poema arcadista brasileiro do século XVIII. A tradução de Coinleach Ghlas An Fhómair seria aproximadamente “Green Stubble of Autumn (Os verdes campos do outono), e sua letra pastoril e amorosa tem a mesma temática e mesma métrica de alguns trechos dos poemas (cançonetas) Desprezo a lira (À Lira Desprezo) e Palinodia a lira (À Lira Palinódia), do poeta arcadista mineiro Claudio Manoel da Costa (Glauceste Saturnio), publicados em 1768. Ao fazer tal mistura, procurei justamente reforçar como as tradições líricas dos dois países na mesma época bebiam de influências semelhantes (que podem ser rastreadas da influência camoniana do Trovadorismo, cara à Claudio e também aos trovadores celtas).

5 – O Jardim (Down By The Sally Gardens)

Os registros históricos dessa canção remetem ao poeta William Butler Yeats, que incluiu o poema Down By The Sally Gardens em seu livro The Wanderings of Oisin and Other Poems, de 1889. Em uma nota, Yeats comentou que aqueles versos significavam “uma tentativa de reconstruir uma velha canção de três linhas imperfeitamente lembrada por uma velha camponesa na aldeia de Ballisodare, Sligo, que muitas vezes canta para si mesma”. A “velha canção” citada por ele talvez seja a balada The Rambling Boys of Pleasure. A primeira tentativa de musicar a versão de Yeats veio de Herbert Hughes em 1909, e, nos anos seguintes, várias outras versões musicadas foram feitas. Porém, a versão mais regravada e conhecida é a original, famosa nas interpretações de Loreena Mckennitt, Clannad e Tangerine Dream.

6 – A Sereia e o Mar (An Mhaighdean Mhara)

A tradução dessa canção, original em gaélico (e representativa da cultura da região de Donegal, Irlanda), seria “The Sea Maiden” (A noiva do mar). Sua história trata de uma sereia que abandona a vida no mar e sua “pele de foca” para se casar com um homem mortal. Porém, seus filhos precisam dela no oceano e ela então retorna para o mar. Em nossa versão, privilegiamos o ponto de vista do homem abandonado e deprimido, preservando porém a essência da letra. An Mhaighdean Mhara foi regravada por artistas como Altan e Clannad, e pode ser ouvida no filme O Segredo de Roan Inish.

7 – Castelos de Mármore (Marble Halls)

Muito conhecida pelas interpretações de Enya e Sinnead O’ Connor, essa canção originalmente tinha um nome bem mais comprido: I Dreamed I Dwelt in Marble Halls (Eu sonhei que morava em salões de mármore) ou The Gipsy Girl’s Dream (O sonho de uma garota cigana). Trata-se de uma aria popular da ópera The Bohemian Girl, de 1843, de Michael William Balfe e com letras de Alfred Bunn. Marble Halls é cantada na ópera pela personagem Arline, que está apaixonada por Thaddeus, um nobre polonês exilado. Em seu livro Lays of Mystery, Imagination and Humour, de 1885, o escritor Lewis Carroll (autor de Alice no País das Maravilhas) parodiou a letra desta canção.

8 – Colinas de Del Rei (The Green Fields of Gaoth Dobhair)

Esta canção se refere aos campos verdes do povoado de Guidore (Gweedore) ou Gaoth Dobhair, localizado no condado de Donegal, Irlanda. Suas origens são bem difíceis de rastrear, contudo, os grupos Clannad e Altan (que gravaram essa música e surgiram em Donegal), relatam que a conheceram por ouvirem-na tocar nas missas de uma paróquia local. Na versão que gravei, ambientei a letra em referência à São João del Rei (cidade mineira em que morava quando fiz as versões do cancioneiro celta).

9 – Embarcanações (Mhorag’s Na Horo Gheallaidh)

Trata-se de uma canção que os trabalhadores cantavam ao trabalhar em moinhos e engenhos, muito popular na ilha de Cabo Bretão (Canadá) e Framboise, Catalunha (Espanha). Sua letra original joga com imagens de marinheiros, caças e amores perdidos. “Mhorag” era uma referência secreta do Rei Charles (Carlos Eduardo Stuart) durante às rebeliões jacobitas do século XVIII. Em nossa versão, relatamos a descoberta do Brasil em 1500, remetendo à diversos episódios e símbolos referentes à expansão marítima europeia e à chegada dos portugueses no “novo mundo”.

10 – Três Corvos (Three Ravens)

O primeiro registro de Three Ravens está no livro Melismata, publicação de histórias compiladas pelo músico britânico Thomas Ravenscroft em 1611. Trata-se de uma balada britânica medieval, que narra a história de três corvos prestes a devorar um cavaleiro derrotado em combate. Existe uma versão escocesa dessa canção chamada Twa Corbies, cuja letra é mais sombria que a original. Foi regravada por artistas como Peter Paul and Mary e Loreena McKennitt. Em nossa versão, novamente ambientamos à história no Brasil, situando os três corvos como as raças que compõe etnicamente nosso país (índios, brancos e negros).

11 – Me Conte a História (Éirigh Suas a Stóirín)

Sua letra original, em gaélico, conta a história de um homem que procura a família de sua amada para tentar barganhar um casamento, mas fracassa em seu intento. Esse tipo de episódio se configurou em um tipo de narrativa muito comum em áreas pobres da Irlanda medieval. Na versão que fiz, aproveitei a sonoridade de “stóirín” e usei a palavra “história”. Reelaborei também o sentido da letra, agora com uma história que parte da perda pessoal para chegar à dimensão da aceitação/redenção. Nessa versão, a história remete à narrativa bíblica de Jó ou a outras canções de transformação com temática semelhante (como Turn of the Century, do grupo inglês Yes).