O projeto

O que são as Canções de São Patrício?

O disco Canções de São Patrício é composto de onze versões de canções celtas de domínio público, que eu, Rafael Senra, verti para o português. Além disso, o disco tem duas canções adicionais, composições próprias que dialogam com o projeto em certa medida.

Porque se chamar “Canções de São Patrício”?

São Patrício é o padroeiro da Irlanda, e na data que homenageia esse santo (17 de março), eventos em todo o mundo remetem a diversas tradições irlandesas, como as músicas, o hábito de frequentar pubs, as danças típicas, etc. É uma data emblemática para a cultura céltica anglo-saxã.

Coincidentemente, 17 de março é a data do meu nascimento. Assim, como as letras desse disco misturam elementos das canções originais e elementos da minha própria vida, esse nome pareceu cair como uma luva.

Porque tocar música celta hoje?

A música celta, a princípio, não parece ser tão conhecida no Brasil como outros gêneros de música, como as tradições da música americana, inglesa, italiana, etc. Quem realmente acreditar nesse tipo de premissa, inevitavelmente irá acreditar que é no mínimo anacrônico ou bizarro realizar um trabalho musical no Brasil do século XXI calcado, em grande parte, na música celta.

Basta um olhar mais atento na genealogia da música que consumimos hoje para perceber que o DNA de boa parte de nossas canções preferidas tem algo da cultura celta – ainda que de maneira diluída. Por exemplo, o rock’n roll, um estilo que descende não apenas do blues e do R&B, mas também da música country, estilo este que descende da música celta (reelaborando as tradições levadas para os EUA por imigrantes irlandeses e bretões). Portanto, em certa medida, é como se o rock fosse um neto da música celta.

A melhor prova da afinidade entre as músicas country e celta pode ser notada em uma série chamada Transatlantic Sessions, produzida pela BBC entre 1995 e 2013 em seis temporadas, onde músicos americanos de country tocavam junto de músicos irlandeses e escoceses de música celta, e o som que faziam era homogêneo, harmônico e repleto de similaridades notáveis.

O que a música celta tem a ver com o Brasil?

Sabe-se que boa parte da música brasileira tem profunda influência da música celta. Na própria carta de Pero Vaz de Caminha, documento fundador da literatura brasileira, existe uma menção às gaitas típicas da cultura galega: “E meteu-se com eles (os índios) a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita”.

Recentemente, o compositor galego Carlos Nuñez tornou-se o grande divulgador da conexão histórica entre as músicas brasileira e celta (que compreende os povos que habitaram em partes da Espanha, França e Irlanda, dentre outros países). Em seu disco Alborada do Brasil, o gaitista mistura ritmos brasileiros como o forró e o sertanejo ao celta, contando com participações de artistas como Lenine, Carlinhos Brown e outros.

De acordo com Nuñez, “O Brasil guarda o tipo de escala da música celta e mantém vivos instrumentos que desapareceram na música europeia medieval, como a rabeca e a viola caipira. No Brasil isso é modernizado porque vocês estão continuamente misturando”. Nuñez também produziu o documentário “Brasil somos Nós”, onde conta a saga pela busca de registros de seu bisavô, um galego que migrou para o Brasil décadas atrás e que gravou alguns discos como sanfoneiro.

Me identifico bastante com a busca de Nuñez por seus ancestrais galegos, uma vez que meu bisavô materno Francisco Senra Martins também veio da Galícia para o Brasil. Minha prima Rosaly Senra, jornalista e pesquisadora, se empenhou bastante na pesquisa desse legado familiar, chegou a ir até a Galícia atrás de informações, e encontrou em um cartório de lá a certidão de nascimento de nosso bisavô.

Mas não descarto que meu apreço pela música celta tenha razões para além das familiares. A própria paisagem de Minas Gerais pode ser um catalizador que possibilitou o despertar por esse tipo de música. Para Carlos Nuñez, “Minas é a Galícia do Brasil. Por causa da febre do ouro, a cultura galega chegou a Minas pelos portugueses. Dizem que mineiro come quieto. É a mesma filosofia que existe em relação aos galegos na Espanha”.

Milton Nascimento, que talvez seja o mais importante nome da música mineira no século XX, compartilha das percepções de Nuñez sobre os vínculos comuns entre Minas e a Galícia. “O Milton me confessou que o Caminho de Santiago lembra muito o universo mineiro”, disse Nuñez.