Páginas que se recusam a virar

Imagem por Keltruck Ltd (Flickr)


Em primeiro lugar, meu apoio aos tantos protestos pipocando Brasil afora: não concordo com quem alardeia que esse “espírito revolucionário” inflamando as massas não passa de mero modismo. Aqui, cito Benjamin, que diz que “a moda tem um faro para o atual, onde quer que ele esteja na folhagem do antigamente. Ela é um salto de tigre em direção ao passado” (BENJAMIN, 1994, 230). Ou seja, as modas não surgem por acaso, e resgatam dos escombros da história uma série de coisas necessárias para o presente. Se brotam protestos, é porque precisam brotar.
O triste é pensar o quão medievais e atrasadas são nossas causas. A culpa não é do povo, mas do contexto. Tanto as demandas (preços justos de passagens, direito de liberdade de expressão em praça pública, para ficar só nas pautas gritantes da última semana) quanto a truculência do governo e da polícia são todas histórias de filmes que a gente já viu antes. O Brasil já devia ter virado essa página, e partir para reivindicações mais profundas, mas uma bigorna invisível não deixa acontecer – me refiro a esse peso imenso do descompasso entre as necessidades da população e os desmandos surreais do poder estabelecido.
Fico imaginando as pautas de protestos em países como Finlândia ou Noruega, onde (em tese) os problemas sociais mais urgentes e terceiro-mundistas já teriam sido sanados. Uma sugestão de pauta: protestar contra o modelo dos veículos à gasolina utilizados por talvez 10 entre 10 habitantes do planeta.
Parece discussão de lunático? No Brasil, onde questões como saneamento básico e saúde pública são problemas, pode ser. Mas temos que pensar que já são disponíveis para nossa geração a possibilidade de se construírem carros movidos a água ou luz solar. Então porque perpetuar os ancestrais modelos à gasolina, que não só necessitam de recursos naturais não renováveis, mas que também poluem a natureza em ampla escala?
Podemos detectar frestas do sonhado século XXI nos bastidores da ciência, escondidas nos rodapés de grandes pesquisas, em discretas premissas de alguns estudos. Mas os grandes parágrafos da nossa história acabam sendo um “mais do mesmo”: ditaduras, repressão, governo e polícia despreparados, países subdesenvolvidos, e outras mazelas que a gente conhece na palma da mão. Por isso, me pego perguntando: seriam anacrônicas as pautas dos protestos populares, ou na verdade é a estrutura que se arrasta moluscamente no tempo? Como partir para questões mais profundas, se as urgências superficiais resistem teimosas no topo da lista de prioridades?
Sei que discussões como essa parecem devaneios doidos, mas na verdade quero apenas demonstrar o peso “paquidérmico” do problema: até quando teremos que gritar por demandas que, em teoria, são tão obviamente básicas e necessárias?
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BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994.