Phil Collins, o baterista

Documentário registra o auge e a decadência de um dos músicos mais amados do pop

O Drumeo é uma plataforma online especializada em cursos e serviços sobre bateria (o instrumento musical de percussão, para ser mais exato), e consiste em uma verdadeira comunidade global de apoio para alunos e professores. Em seu canal do You Tube, eles têm investido na produção de conteúdo sobre bateria, com vídeos informativos, entrevistas, e até mesmo documentários.

No dia 18 de dezembro de 2024, o Drumeo lançou sua produção talvez mais ambiciosa – um documentário chamado Phil Collins: Drummer First. O título é autoexplicativo, ou seja, diante da vasta carreira do músico e compositor inglês Phil Collins, o filme traz ênfase para sua notável contribuição no mundo da bateria. Somando duas horas de conteúdo, a obra conta com o filho de Phil, Nic Collins, como um dos produtores.

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Apesar de iniciar uma carreira promissora como ator teatral em meados dos anos 1960, o jovem Phil Collins decidiu na época que seu futuro artístico era nos bancos de uma bateria. Depois de passar por grupos semi-amadores como Flaming Youth, em 1970 ele ingressa como baterista da banda britânica Genesis. Após a saída do vocalista Peter Gabriel, em 1975, Collins torna-se vocalista do Genesis. Em 1981, lança seu primeiro disco solo, Face Value, e a partir dali vai se tornando cada vez mais onipresente nas rádios do mundo todo. E não é exagero dizer que Phil ajudou a inventar o som de bateria característico dos anos 80.

Mesmo com tantas glórias, problemas pessoais ou de saúde impediram Collins de ter o mesmo nível de produção de nomes como Paul McCartney ou Bruce Springsteen. Phil já vinha reduzindo seu ritmo ao longo do século XXI (seu último material inédito é o disco Testify, de 2002), e acabou por anunciar sua aposentadoria em 2022. Entretanto, seus discos e performances continuam a ser celebrados por várias gerações de ouvintes.

A questão é que todas as conquistas de Collins enquanto artista solo e vocalista do Genesis acabaram por eclipsar sua enorme contribuição enquanto baterista. Para além dos trabalhos que lhe deram fama, Phil produziu e tocou em ótimos discos de diversos artistas. Em paralelo ao Genesis, por exemplo, o músico inglês foi o baterista de um excelente grupo de jazz fusion chamado Brand X – e seus arranjos de bateria em discos como Unorthodox Behaviour (1976) são fora de série. Além disso, Phil já tocou em álbuns de Eric Clapton, Peter Gabriel, Robert Plant, Peter Banks e uma lista enorme de outros nomes (incluindo uma performance com o Led Zeppelin, essa infelizmente memorável pelos piores motivos).

Um dos aspectos mais legais do documentário da Drumeo é o de incluir apenas as trilhas isoladas de bateria das músicas citadas (interpretadas pelo filho de Phil, Nic). Isso não apenas destaca o notável arranjo de Collins nessas canções, mas também mostra o quão reconhecíveis são essas levadas e viradas. Rapidamente sabemos de quais músicas se tratam, ainda que todos os elementos melódicos tenham sido suprimidos.

Em paralelo a essas trilhas de bateria, ouvimos depoimentos emocionados de mestres do instrumento como Chad Smith (Red Hot Chili Peppers), Mike Portnoy (Dream Theater), Billy Cobham (Mahavishnu Orchestra), dentre outros. Diversos convidados se dedicam a comentar a qualidade dos arranjos e grooves de Collins, incluindo suas viradas antológicas “cantaroláveis” (detalhe: “virada” de bateria, em inglês, traduz-se como fill, o que rende trocadilhos hilários no fim do filme). Apenas pense que uma das viradas mais famosas do pop foi gravada (de improviso!) por Phil em In The Air Tonight!

Faça um teste, e ouça “Here We’ll Stay”, single gravado por Frida Lyngstad – uma das eternas cantoras do ABBA. A canção fez muito sucesso quando saiu, em 1982, mas é pouco lembrada hoje em dia. Pois bem, ouça apenas a sua introdução, e repare nos arranjos de bateria. Como disse um dos comentaristas de Drummer First, a assinatura sonora do timbre e da levada faz com que possamos reconhecer já nos primeiros minutos dessa música que o baterista é Phil Collins (que foi também o produtor do terceiro disco de Frida, Something’s Going On).

O documentário não chega a ser propriamente biográfico, apesar de vasculhar várias fases da vida de Collins, mas cumpre o seu propósito, que é tentar fazer justiça à sua faceta de baterista. Como sua carreira solo obteve um sucesso gigantesco, sua contribuição para o instrumento não é tão valorizada. Na verdade, é difícil pensar que aquele rapaz baixinho e careca cantando baladas açucaradas como Against All Odds ou One More Night foi um dos grandes bateristas da história do rock.

Apesar da importância por trás do filme da Drumeo, dois problemas me incomodaram um pouco quando assisti. O primeiro deles envolve a absurda ausência de Chester Thompson – que dividiu as baterias do Genesis com Phil nas performances ao vivo entre 1977 e 2007. Além disso, Chester tocou em quase todas as turnês de Phil em carreira solo. Foi na última turnê solo de Phil (Not Dead Yet Tour: 2017 a 2019) e na última turnê do Genesis (The Last Domino: 2020 a 2022) que Nic Collins substituiu o antigo baterista.

Em uma entrevista de fevereiro de 2021 publicada pela Revista Rolling Stone, Thompson revelou que ele e Collins tiveram desavenças na turnê Going Back, de 2010. Chester acreditou que, por se tratar de um repertório baseado em covers do catálogo da gravadora Motown, saberia tudo de cor. O que ele não contava é que Collins fez diversas mudanças nas canções – e o que ele não sabia é que, nos bastidores, Phil lidava com as consequências de um doloroso divórcio, além de depressão e alcoolismo. Os dois brigaram feio, e, de acordo com essa entrevista, a parceria bem sucedida de décadas entre Phil e Chester terminou com a demissão desse último, e com o consequente fim da amizade entre essas lendas da bateria. O documentário seria uma ótima oportunidade para honrarem seu legado juntos, mas acabou não acontecendo.

O outro problema do filme é menos grave (e até compreensível), envolvendo a narrativa em torno da atual condição de Collins. Qualquer fã ou admirador do músico vai se emocionar ao ver o músico caminhando lentamente com a ajuda de uma bengala, incapaz até mesmo de realizar simples viradas ao se sentar diante da bateria. Para Nic Collins, a falta de ergonomia do antigo kit Gretsch usado por seu pai é o motivo pelo qual Phil está nesse estado.

Essa é uma verdade parcial, eu diria. Hoje em dia, os fabricantes de equipamentos e instrumentos são bem mais atentos à questões de ergonomia, de fato. Mas o caso de Phil Collins tem a ver tanto com seu temperamento workaholic (em 1985, o músico entrou para o Livro dos Recordes Guinness por fazer dois shows em dois continentes num único dia!) quanto com sua negligência em cuidar da própria saúde (nesse sentido, a narrativa do próprio Collins ao escrever a autobiografia Not Dead Yet contradiz o documentário do Drumeo).

Em 2007, na turnê de retorno do Genesis, Phil deslocou algumas vértebras tocando bateria, e teve que se submeter à inúmeras cirurgias (mal sucedidas, infelizmente). No documentário Come Rain or Shine, de 2007, o músico Daryl Strummer (que desde 1978 toca ao vivo com o Genesis e com Phil Collins solo) deu declarações que deixam implícito como Phil não se preparou fisicamente para a turnê. Aparentemente, depois de anos sem tocar bateria, Collins (na época com 56 anos) resolveu reproduzir os intricados arranjos das canções do Genesis sem se atentar ao seu condicionamento físico ou à falta de prática com o instrumento.

Além disso, de acordo com a autobiografia do músico, o problema do pé caído (que o obriga a andar de bengala hoje em dia) foi fruto de uma queda no palco nos anos 1980. Apesar de ter sido algo grave na ocasião, Collins nunca se preocupou em ir ao médico ou fazer exames, até descobrir em meados de 2010 que o dano ósseo dessa queda piorou ao longo dos anos, chegando infelizmente a um ponto irreversível. Por fim, após o divórcio com (sua terceira esposa) Orianne Cevey em 2006, Phil começou a beber, e seu crescente alcoolismo lhe rendeu problemas como diabetes tipo 2 e pancreatite. Ao produzir Drummer First, Nic Collins optou por omitir esses problemas e interpretar a decadência física de seu pai como um efeito colateral de tantos anos dedicados a tocar bateria.

Enfim, apesar de algumas lacunas e imprecisões factuais, a maneira como a narrativa foi organizada visa, sobretudo, evocar uma bem vinda dignidade ao lendário músico em sua retrospectiva da carreira. O fato é que esse documentário da Drumeo consegue fazer justiça aos méritos de Phil Collins como baterista, honrando sua enorme contribuição ao instrumento. O filme pode ser assistido gratuitamente no You Tube, e é uma experiência altamente recomendável para todos os amantes de rock progressivo e pop.

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